quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O PREÇO DA SOBERANIA



A questão dos impostos, que quase nos sufocam, tem sido muitas vezes utilizada como argumento contra as políticas de governação do PAICV, partido que se encontra no poder e que vai em 2011 concorrer para um terceiro mandato. A situação deixada pelo MPD e as suas políticas liberais era catastrófica, no dizer do partido que o veio suceder, e havia que equilibrar as contas públicas.
Como os recursos são escassos, mais uma vez foi pedido ao povo que apertasse o cinto e ajudasse o novo governo a ultrapassar essa situação. E assim foi, por amor à terra!
Não deixa de ser verdade que se fizeram enormes obras e o país deu um salto qualitativo em termos de infra-estruturas rodoviárias e aeroportuárias, principalmente.
Passamos a país de desenvolvimento médio, saímos da lista dos atrasados, agora somos um país que deve ser apontado como exemplo para os países africanos que ainda não entenderam que democracia rima com liberalismo porque muitos não conseguiram livrar-se da sua origem tribal e querem forçosamente misturar as leis do mercado livre com as leis da supremacia tribal.
Apesar de tudo, em alguns aspectos, continuamos nós também ligados aos nossos laços ancestrais de povo colonizado. Existe no nosso seio uma enorme tendência de querer exibir a importância social que cada um tem através da quantidade de património que se acumula – independentemente dos meios usados para atingir esse fim - ao invés da sabedoria e dos valores humanos que devem nortear uma sociedade que se pretende como exemplo para outros povos. Passou-se de povo que não tinha quase nada - nem mesmo Liberdade - em que o Homem já foi apontado como riqueza nacional, a povinho que tudo pode, pela força do dinheiro.
Por outro lado, a classe política ainda não conseguiu entender que a pobreza extrema é o primeiro passo para o alastrar da corrupção e que existem valores mais importantes que a acumulação de riqueza que devem ser cuidados para se poder manter a coesão e o equilíbrio comunitário.
Porém, nem tudo está assim tão mal: a judiciária tem feito um trabalho enorme no combate ao narcotráfico e começa a aparecer uma nova vaga de juristas com “Culhões”, - de entre os quais o Dr. Vital Moeda deve ser apontado como um exemplo paradigmático - a querer impor a independência dos tribunais aos que entendem que a disputa pelo poder político só tem sentido se associado a proveitos económicos consequentes. Aos que querem controlar a justiça para usufruir de benesses em seu favor e do grupo de interesses políticos e económicos a que pertencem. Aliás, uma das nossas maiores conquistas parlamentares, terá sido, a aprovação da lei que nos possibilita o combate à lavagem de capitais. Só assim se poderá dar continuidade a esta batalha pela preservação da soberania nacional, contra o poder económico dos barões da droga que se vinha alastrando pelo país.
Visto nessa perspectiva, parece-me muito mais sensato continuar a pagar impostos, ainda que exagerados, e saber que continuamos a ter um Estado soberano que vive de acordo com os valores defendidos pela sua constituição, onde a vida é tida como um bem essencial, fundamental, a ter que submeter às leis da máfia e do narcotráfico.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

DICOTOMIA

Em 1975, com o advento da independência nacional, e em tempos em que a revolução estava ainda muito presente, as opiniões, mesmo não sendo públicas, passaram a ter uma forte conotação partidária: ou se era a favor da independência e consequentemente a favor das políticas e ideias do PAIGC, ou então, era-se contra a independência e consequentemente contra a ideologia do partido da independência. Não havia lugar ao exercício da opinião pessoal livre e por isso o exercício da cidadania acabava por ser extremamente limitado.
Em 1991 passou-se ao bipartidarismo e as opiniões passaram a ser, ou a favor do PAICV e contra o MPD, ou a favor do MPD e contra o PAICV.
Quando se pensava que haveria lugar para a opinião pessoal livre e independente, passou-se a colar a opinião, mesmo em tempos da tão propalada Democracia conquistada, aos dois maiores partidos com assento parlamentar e voltou a dividir-se a sociedade em dois, com todas as repercussões que essa divisão ainda hoje acarreta.
Quando opinamos, ou somos a favor do partido da situação, ou então, somos contra. Se somos a favor deste, somos contra o outro, o da oposição, e se formos contra, seremos portanto a favor daquele. Gera-se com isso uma grande confusão e não se entende que o mais importante é conseguir trazer a publico ideias que possam ajudar a tornar a nossa sociedade numa sociedade mais justa. Infelizmente, até os media que deviam ter o papel de defender ideias que levassem a evolução da sociedade e servisse de voz para os mais fracos – o tal quarto Poder - também entraram no jogo e, são uns a favor e outros contra, ninguém está isento.
Esta ideia instituída de que quando alguém opina sobre determinada matéria está automaticamente a defender determinados interesses partidários, leva a que muita gente que poderia dar um contributo valioso para se conseguir atingir outros patamares de desenvolvimento humano em Cabo Verde, simplesmente se abstenha. E assim, continuamos neste jogo do gato e do rato, onde cada um pretende mostrar mais serviço que o outro, agindo sempre de forma calculista, pensando em poder arrecadar cada vez mais e melhores dividendos pessoais. E com isto tudo quem se lixa é o “mexilhão”!

terça-feira, 20 de outubro de 2009

NHA SENTIMENTO


“Nha Sentimento”, o novo álbum de originais de Cesária Évora, chega ao mercado discográfico no próximo dia 26 de Outubro.

Gravado entre Mindelo e Paris (após o acidente vascular cerebral que a diva sofreu durante a sua digressão pela Austrália, em 2008), o disco, dedicado a mornas e coladeiras, inclui 14 inéditos.

Fonte: Palco Principal


Hoje a caminho do trabalho, passava na RDP, um programa de Nuno Sardinha, onde a convidada era a nossa Diva dos pés descalços, Cesária Évora. Ouvi dois temas do ultimo disco, Nha Sentimento e pareceu-me que a voz de Cize, neste ultimo registo, perdeu o brilho de outrora. Os versos pareceram-me cantados quase que em esforço e a uma nota só, com muito poucas variações do timbre melodioso da voz de Cize. Talvez isso se deva ao estado de saúde em que Cesária se encontrava no momento da gravação… ou talvez seja tão simplesmente o confirmar do processo de envelhecimento de Cize e do difícil e triunfante caminho percorrido até aqui.
Um amigo meu ligado a essas coisas, disse-me nessa altura, que Cesária terá ido para os stúdios de gravação, como forma dos seu produtor aproveitar o tempo em que ela não poderia estar a cumprir a programação da sua agenda de concertos!
A verdade é que, seja por essa razão ou por outra qualquer que se especule, o resultado não me pareceu nada positivo, mas, poderá ser também o fruto de uma nova viragem na carreira da Cize, um novo conceito musical, agora virado para os sons das cordas do Egipto e da Índia.
É certo que, a escuta de dois temas de um album não será suficiente para fazer uma análise aprofundada de todo um trabalho, mas também não é essa a minha pretensão. Tão só pretendo deixar aqui o sentimento que me assaltou ao ouvir estes dois temas - Vento de Sueste e Ligereza.

Texto:Baluka Brazão

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

ACEITAM-SE PROPOSTAS

José Maria Neves e Carlos Veiga, foram eleitos para a presidência dos respectivos partidos com valores entre os 60% e 75% de votos internos. Dos dois lados logo se providenciou no sentido de serem propalados os resultados, sinal da unidade partidária e do consenso interno na escolha dos líderes dos dois maiores partidos cabo-verdianos.
O MPD, para tentar desacreditar os resultados anunciados pelo PAICV, apresentou números ligeiramente inferiores aos do seu concorrente e alguns argumentos que nos levam a questionar esses resultados como sendo fidedignos.
Na verdade, se prestarmos atenção, veremos que a única preocupação, tanto do partido no poder como do partido na oposição, é a de se mostrarem melhor posicionados que o adversário para a disputa legislativa de 2011. De resto, continuamos à espera que se nos apresentem projectos que possam solucionar o grave problema do desemprego nas camadas jovens da população que já vai para além dos 42%; o grave problema de fornecimento de energia eléctrica e de água e os preços que se pagam por esses bens de necessidade; os números elevados do défice público (12%) para o ano de 2010 que nos indicam um consequente aumento da dívida pública e mais impostos para o futuro - ainda que esse aumento tenha sido justificado com o financiamento de obras de infra-estruturação que poderão resultar em alguma melhoria do bem estar das populações -… vai ser preciso fazer contas para se ficar a saber se realmente essas obras resultaram num incremento do bem estar social.
É que para além dos vários elogios que temos recebido e que devem encher de orgulho todos os cabo-verdianos, é preciso que se sinta que essas tão propaladas políticas públicas que se vem implementado nos últimos anos, tem revertido, de forma palpável, a favor da melhoria da condição de vida do povo cabo-verdiano.

sábado, 10 de outubro de 2009

COSTUMES I


Taxi, táxi… chamar um táxi na cidade da Praia tornou-se um velho costume que caiu em desuso!
Em todas as cidades por onde tenho passado, nas minhas muitas viagens profissionais ou de lazer, a forma mais adequada para se conseguir um táxi é deslocando a uma praça de táxis ou, parar um que passe por nós. Até bem pouco tempo, também assim acontecia na nossa cidade, só que, com o aumento abrupto da quantidade de táxis, em vez de sermos nós a solicitar os seus serviços, são eles que nos assediam a cada passo que damos.
Para além do incómodo que provocam com o seu constate buzinar, nessa procura constante por clientes, os “táxi drivers” da Praia, efectuam todo o tipo de manobras perigosas provocando um número significativo de acidentes. Aliás, seria interessante saber qual a percentagem de acidentes provocados por estes profissionais do trânsito, na capital, que volta e meia, chocam uns contra os outros.
Esta gestão pouco clara das licenças atribuídas para essa actividade de transportes públicos, criou novos costumes e acima de tudo, gerou alguma confusão no trânsito da cidade. É que o que parecia ser um bom negócio, às tantas, passou a ser um negócio de risco, tendo em vista a dimensão da concorrência.
Esta questão mostra-nos como a gestão pouco cuidada da atribuição de licenças para qualquer tipo de negócios nos nossos municípios pode influenciar negativamente a nossa qualidade de vida.
Texto e Fotografia:Baluka Brazao

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

ECO SOBRE O ALUPEC

Num extenso artigo publicado no Liberal on-line, intitulado de “A INCONSTITUCIONALIDADE DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ALUPEC — O IUS ABUTENDI DO CABO-VERDIANO”, o Dr. Vergílio Brandão expõem algumas “barbaridades” e “ilegalidades” que o Ministro da Cultura, Dr. Manuel Veiga e o Governo, vêm cometendo no processo de implementação, institucionalização e legalização do alfabeto ALUPEC, como forma de escrever o cabo-verdiano (crioulo). Para além da questão legal, parece de todo importante dar especial atenção à forma como se tem, com alguma ligeireza, traduzido textos tão importantes como a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, não dando a importância devida ao conceito filosófico que está por trás desse importante texto, como aliás refere o colunista no mesmo texto. Essa parece ser uma questão sensível neste processo de implementação do crioulo como língua oficial, uma vez que, procedendo dessa forma, se irá transmitir um sentido desvirtuado dos textos traduzidos para o crioulo, acabando por ter um efeito contrário ao pretendido. Ou seja, o de facilitar a compreensão dos textos traduzidos do português para o crioulo, ou de outras línguas estrangeiras para a nossa língua mãe.
Deixo aqui um pequeno estrato desse texto:

[…] É grave o Governo proceder com tanta ligeireza no momento de legislar! E legislar em matéria tão importante como um direito e um princípio fundamental da Nação e do Estado de Cabo Verde. O facto de uma entidade privada ter recorrido ao ALUPEC para traduzir a Bíblia (que não é um facto acabado, mas um processo) é importante, mas não é critério científico para se avaliar o instrumento em si. E é grave num linguista com formação religiosa que sabe, deve saber, que a Bíblia sempre foi traduzida para todas as línguas e dialectos conhecidos como instrumento de cultura e missão evangélica, adaptando o texto às realidades.
E é consabido o exemplo escolástico de Isaías I.18: «[…] ainda que os Vossos pecados sejam como a escarlate, eles se tornarão brancos como a neve […]» Em línguas sem estrutura gramatical e que palavras, como a de «neve» no interior de África, não existia e os missionários conseguiram traduzir a Bíblia para estas línguas recorrendo-se a analogia. Aliás, basta ler-se os textos existentes da tradução de Os Lusíadas do Cónego Costa Teixeira — nomeadamente as transcritas por Leite de Vasconcelos, no texto Dialectos Crioulos Portugueses de África, e publicado em 1898 (Leite de Vasconcelos, «Dialectos Crioulos Portugueses de África», in Revista Lusitana, Volume IV, Fascículo 4, Lisboa, 1898, pp. 241.261) — para se perceber as dificuldades da tradução de um texto literário do português clássico para o cabo-verdiano (ao caso foi usado, decorria o ano de 1898 quando este texto foi editado, o cabo-verdiano ou crioulo de Santo Antão que o autor considera, assim como os demais crioulos cabo-verdianos, com origens no Sul de Portugal):
Tude aquês arma e quês home falláde,
Que lá de Gilbôa ond’ sol ta cambá,
Pa mar nunca dánts p’ôtes navêgáde,
Tê lá na cabe de munde ês chegá,
Na p’rigue má guerra desaf´nade
Més que tud’ força d’êss’ munde tá d’xá
E na mêi de gente longe ês fazê
Um nove naçom q’ês tant´ingrandcê;
No texto camoniano (Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas, I.1), se lê:
As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
Mais, eu estou curioso para saber de que textos se está a traduzir a Bíblia para o cabo-verdiano no modelo ALUPEC… mas esta é, de todo, outra questão e contas de um outro rosário. É que ou falamos de ciência a sério, ou então somos meros copistas de traduções de traduções; e espero que não seja e este o caso, pois uma coisa é traduzir a Bíblia a partir dos seus textos originais, i.e., o Aramaico, o Hebraico e Grego antigo, e outra coisa é usar a Vulgata latina, a King James ou a João Ferreira de Almeida como referências, textos estes com erros de tradução (com consequências gravosas na hermenêutica bíblica) que passarão, se servirem de matriz, para o cabo-verdiano — e não importa se é o ALUPEC ou qualquer outro modelo de Alfabeto.
Do mesmo modo que o texto que a Comissão Nacional dos Direitos Humanos e Cidadania fez da Declaração Universal dos Direitos Humanos com o ALUPEC como instrumento não é relevante pois é um documento com trinta artigos, mais de 360 traduções e em quase todas as línguas e dialectos conhecidos… além de que há anos que andava a circular na internet estamos a falar, tão-somente dos dois textos mais traduzidos do Mundo: a DUDH e a Bíblia e que invocá-los como razão de ciência é, no mínimo, desacredita a ciência. De notar-se, ainda, que a tradução da Declaração está pejada de erros, como é o caso do Artº.1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 que enuncia:
«Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.»
A sua tradução para o cabo-verdiano no modelo ALUPEC foi:
«Tudu gentis ta nasi libri y igual ku se dignidadi y ku ses diretu. Es nasi ku intelijensia y ku konsiensia y es debe ten pa kunpanheru spritu di morabeza.»
Ora, quem fez esta tradução lavra em erros conceptuais graves (e dá para perceber que não leu os trabalhos preparatórios da Comissão dos Direitos Humanos da ONU antes de lançar-se nesta aventura; que se louva a iniciativa, mas que se critica o voluntarismo e a falta de rigor científico), como, v.g., (i) confundir «razão» com «intelijensia»; (ii) subjectivar a dignidade e os direitos, ignorando que a força destes conceitos está na sua dimensão objectiva; (iii) degradar o conceito de «outro» que não é, de todo, análogo ao de «kunpanheru», pelo contrário! até são diacrónicos no plano lógico. E se não se for «kunpanheru», mas sim o «outro», o estrangeiro, o judeu, o «mandjaku»? Onde fica(rá) o dever na ausência do bom samaritano? O «outro» permanece para além do «kunpanheru», e o que esta tradução da DUDH faz é desvirtuar o sentido e a natureza do sentido do «outro» — e, note-se, este conceito é um conceito filosófico fundamental, estruturante para o humanismo, e não uma palavra inócua, assim como a de companheiro não é, no cabo-verdiano (mesmo com fórceps), sinónimo de outrem… Enfim, amadorismos.
A redacção do artigo Artº.1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que emergiu depois de uma longa e profunda discussão ética e filosófica no seio da Comissão dos Direitos Humanos da ONU, tem as suas origens no draft de John Peters Humphrey e depois revista por René Cassin, sendo certo que tem origens mais remotas, nomeadamente no pensamento de Francisco de Vitória e na sua defesa de uma dignidade humana e de direitos naturais universais com génese na obra de Ulpiano e nos jurisconsultos severianos: «[…] o que é sempre justo e bom, designa-se por Direito natural» (Digesto, I.1). Daí que a universalidade da dignidade humana e os direitos humanos tenham uma dimensão objectiva (opondo-se ao direito subjectivo, ou direito do sujeito, o direito de cada um… ou «[…] se dignidadi y ku ses diretu») e seja aceite por todos os povos do Mundo. Em Cabo Verde, ao que parece, alguém teve a perspectiva peregrina de subverter o sentido e a natureza do maior ganho civilizacional do século XX (e o que me preocupa é que tenha tido uma dimensão instrumental para esta questão da aprovação do ALUPEC — pelo menos assim parece).
E será que, neste aspecto, preciso de continuar? Sim, para dizer que, além destas falhas, anota-se ainda (iv) que fraternidade [que, em linguagem teológica, tem também o significado de Amor e, na tradição cultural e jurídica europeia da cidadania emergente da Revolução francesa e a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, está ao lado da liberdade e da igualdade] não é a mesma coisa que «morabeza», ainda que nos soe bem aos ouvidos! Os conceitos de Liberté, Egalité, Fraternité têm foros históricos e conceptuais próprios e são os fundamentos imediatos da República moderna. E esta fraternidade é, como um ex-estudante de teologia como o Ministro da Cultura sabe(rá), é um dos pilares da «civilização do Amor»… e que é mais, muito mais do que a «morabeza» crioula. Neste aspecto, seria útil a leitura de algumas Constituições pastorias, nomeadamente a Rerum Novarum e a Gaudium et Spes…
Assim como a expressão «gentis» não é feliz; direi até que é muito infeliz pois a noção de «homem» e «pessoa» foram expressamente afastado da redacção final quer pelos problema sociais e culturais ligados a ideia de «homem» que pelos problemas conceptuais inerentes à de «pessoa». E é por isso que ficou «Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.» fica claro que o cabo-verdiano continua e continuará tributário do português no que diz respeito a compreensão de dados conceitos, e que cabo-verdianizar conceitos não quer dizer, de todo, popularizá-los. Falamos de ciência, é posto.
Isto para dizer que se o Governo quis dar uma sustentação científica ao Decreto-Lei nº 8/2009 de 16 de Março, foi infeliz na escolha dos exemplo escolhidos (na falta de mais…), pois tais não correspondem à realidade. A tradução da Declaração Universal dos Direitos Humanos é um desastre no plano da ciência do Direito (e é disso que falamos), e uma confusão acabada no plano da transposição de conceitos filosóficos para o cabo-verdiano no modelo do ALUPEC. Prenúncio do futuro? Parece que sim, mas Espero que não. A verdade é que se num único artigo de um texto tão pequeno como este se encontram estes erros (não identificados pelo Governo, pejado de juristas e de linguistas… e já nem falo na dimensão estruturante que a DUDH tem na ordem jurídica cabo-verdiana), o que dizer de textos mais complexos? Tornar-se-ia impossível a tradução de Ulisses de James Joyce, de Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll ou qualquer das obras de Jurgen Habermas (e os linguistas e amantes da literatura sabem das dificuldades linguísticas e conceptuais, no caso de Habermas, que estes autores, entre outros, colocam).
Mas se isso não fosse bastante, o Governo fundamenta-se ainda num facto, «dado relevante», que não é verdadeiro, que não tem realidade e o mínimo de correspondência com a verdade: «dado relevante é a tradução, nesse modelo de alfabeto, de grandes clássicos da literatura portuguesa pelo poeta José Luís Tavares» (lex dixit). Este facto não é, reitero, verdade! Isto é brincar ao «fazer leis», sem racionalidade e realidade de fundamentos.
José Luís Tavares (o poeta escreve o seu nome de poeta com Z — este facto é compreensível pois, infelizmente para o Ministro da Cultura, não deve ler a poesia do poeta de Txom Bom) nunca traduziu nenhum clássico português para o ALUPEC! Está, sim, ó Governo da minha terra! (sim, M.I. Ministro da Cultura), a traduzir (traduzindo, o gerúndio clarifica?) os Sonetos de Luís Vaz de Camões para o cabo-verdiano e usando o ALUPEC de que é cultor. Ah, já agora: gostaria de ver o que o poeta dirá quando e se o fizer, pedir ao Ministério da Cultura para financiar a publicação dos Sonetos de Camões que está o traduzir e o Ministério dizer que não… que não tem verba. Cá estarei para ver, e ouvir.
É uma infelicidade, invocar-se isso como fundamentação numa lei — sendo o facto não verdadeiro (não uso a palavra mentir porque respeito sobremaneira as instituições do meu país para usar palavra tão lapidar). Verter uma inverdade numa lei, para poder fundamentá-la, é de uma gravidade tal — proceder a omissões, ou cometer erros técnicos ou invocar-se ciência frouxa até que se engole… a custo! — que só o povo a quem a lei se dirige pode julgar com ciência bastante. E este povo, de que faço parte e me orgulho de pertencer, merece uma explicação do Governo, em particular do Ministério da Cultura.
Posto isto, quem é que irá perguntar (i) ao Primeiro Ministro José Maria Neves; (ii) a Ministra da Educação, Vera Duarte; (iii) e ao Ministro da Cultura, Manuel Veiga (os dois primeiros com ambições poéticas e o segundo… Ministro da Cultura!), que assinaram o Decreto-Lei nº. 8/2009, de 16 de Março em Conselho de Ministros, quais são «os grandes clássicos da literatura portuguesa» que José Luís Tavares traduziu para o ALUPEC? Têm a palavra os Senhores jornalistas (o povo, eu… por exemplo, gostaria de saber se estamos 1) perante incúria, 2) incompetência funcional, 3) desespero de fundamentação ou 4) falta de cultura no Conselho de Ministros e na Presidência da República). Como não sei, gostaria de saber. Não sei quem mais quer saber, mas eu quero saber! Afinal, como é consabido e nunca o escondi de ninguém, dei o meu voto de confiança a este Primeiro Ministro, José Maria Neves, ao votar nele para governar o país por mais uma legislatura; o Presidente da República, como também se sabe, não mereceu o meu voto pois era meu entendimento que Carlos Veiga seria e faria melhor do que o Pedro Pires do primeiro mandato — e hoje estou cada vez mais convencido de que fiz a opção correcta ao não votar nele. É um vigia que não vigia, adormecido que está no Palácio presidencial (a promulgação do Decreto-Lei nº. 8/2009, de 16 de Março é paradigmático).
Isto de meter o poeta no seio de uma inverdade, no mínimo, deveria dar lugar a um pedido formal de desculpas do Governo de Cabo Verde ao Poeta José Luís Tavares, a um esclarecimento ao Povo de Cabo Verde e a demissão do Ministro da Cultura (colocar o lugar a disposição do Primeiro Ministro, por razões pessoais, seria simpático e uma prova de que ainda respeita o povo de Cabo Verde — ou vai deixar a culpa para o chefe do Governo?).
O que é grave é que se atribui ao poeta de Txom Bom obra que não fez, e nem precisa ou precisará destes favores envenenados, e se omite que os «grandes clássicos» portugueses traduzidos para o cabo-verdiano não são nem do José Luiz Tavares nem de nenhum outro cultor do ALUPEC! Que eu tenha notícia — mas que não é valorizado devidamente —, Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões foi traduzido pelo Cónego Gomes Teixeira e o mítico poema Endechas à Barbara Escrava do mesmo Camões também vertido para o cabo-verdiano por Eugénio Tavares e que, como sabemos, não foi em modelo ALUPEC (e o Ministro da Cultura, enquanto académico, já orientou teses de mestrado em português e sobre o crioulo — que se Alupecou com a sua eucaliptica bênção — e conhecerá estas traduções como nenhum outro cabo-verdiano, e talvez por isso as não refere). A memória selectiva tem destas coisas: só são lembráveis as coisas e as situações que interessam para fundamentar o que se quer — o que eu até entendo, mas não posso aceitar como legítimo e aceitável neste contexto […]

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

2011, QUE OPÇÃO PARA OS JOVENS?

Cabo Verde atravessa um momento delicado. Prepara-se para as próximas eleições legislativas em 2011, sendo que, só há duas opções para ocupar o lugar de chefe de governo. José Maria Neves ou Carlos Veiga.
Apesar da grande animação das hostes tambarinas e ventoinhas à volta dos seus candidatos, não me parece que o resto da população esteja tão tranquila sobre em quem votar. É que, como em tudo, também neste aspecto, estamos bastante próximos da imagem do que se viveu em Portugal nas últimas eleições legislativas: dos dois possíveis candidatos, um está em fim de mandato e sem grandes propostas para melhorar a sua performance, e o outro, tem um historial de fim de mandato que em nada o abona.
Um dos grandes problemas a resolver, seja lá quem for o vencedor dessa disputa eleitoral, será certamente o desemprego na camada jovem da população. O actual Governo lançou mão a alguns projectos visando atacar esse problema: avançou com a Universidade Pública e o ensino profissionalizante. Porém, esses projectos, por si só, não garantem a diminuição da percentagem de jovens desempregados no país. È necessário que se aposte em políticas que sejam geradoras de emprego, fundamentalmente, no apoio à criação de pequenas e médias empresas. Senão, passaremos, a médio prazo, de país com carência de pessoal com formação profissional para atacar sectores de emprego importantes e disponíveis na nossa sociedade, para país com excesso de mão-de-obra profissional especializada.
Por outro lado, é facto que, a maior parte dos jovens cabo-verdianos prefere a formação universitária à formação profissionalizante. No entanto, desse bolo, a grande maioria, tem uma perspectiva errada que, terminada a sua formação superior, o Estado terá a responsabilidade de disponibilizar um lugar na função pública para o colocar. E, para termos uma noção dos reflexos sociais que esse problema acarreta, só teremos que dar uma vista de olhos, mais uma vez, ao que vem acontecendo em Portugal de uns anos para cá. Por isso, há que desconstruir o discurso utilizado desde os anos pós independência que visava estimular os jovens a ambicionar uma formação superior em detrimento das outras. Aliás, um discurso coerente para a época, mas que acabou por gerar outros males, como o gostinho pela obtenção de um título académico e a busca de um lugar de relevo na Administração pública, que há muito tempo excedeu os seus limites.

Ta Sumara Tempo

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Praia, Ilha de Santiago, Cape Verde

Jasmine Keith Jarret

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