quarta-feira, 8 de abril de 2009

Kriola En-Kantu


Toda a obra quando concluída guarda nela uma vasta informação seleccionada para constar nela. Mais do que isso guarda sentimentos dois quais o artista não se consegue apartar quando concebe um trabalho artístico. É a sua forma de perceber as coisas, os lugares, suas gentes, seus sons, os seus sabores, mas acima de tudo, é a sua forma de sentir como tudo isso se processa à sua volta.
Este disco que hoje aqui orgulhosamente apresentamos, é a forma como a Isa aprendeu a sentir a música de cabo verde, música crioula e consequentemente, fruto duma grande miscigenação de ritmos e sons, que por aqui passaram e ficaram, transformados no que chamamos de Bandêra, kolá, Mazurka, Coladêra, Morna e Funaná que foram alguns dos estilos escolhidos pela Isa para compor este álbum.
Kriola Encanto é um disco feito á medida da Isa. Doce, suave, melodioso, mesmo quando trata ritmos mais quentes e com os quais lidamos de forma epidérmica, sensorial, reactiva, como é o caso do funaná da faixa 8. É um disco moderno que nos traz estilos tradicionais, antigos, interpretados de forma contemporânea. Aliás para mim essa é uma característica comum aos músicos desta nova geração que tem projectado a música cabo-verdiana muito além das nossas fronteiras e de alguma das limitações que alguns insistem em querer forçosamente preservar, esquecendo o percurso que se fez para chegar até aqui. A forma como hoje se toca o violão na coladêra tem fortes influências da música brasileira, que entraram em cabo verde através do Porto Grande e que se tornaram num legado deixado por músicos como Luís Rendal, que para mim, é o ícone desse estilo, apesar de existirem outros do mesmo calibre. São esses ritmos que vamos encontrar no tema número três, onde Isa traz-nos um cheirinho da Baía, com participação de Voginha, que vem confirmar o trabalho fantástico que vem fazendo na preservação dos estilos tradicionais tocados com o violão.
Ser crioulo implica este tipo de influências que são marcas indeléveis da nossa história e da nossa cultura. Aliás, a fusão entre o batuko e o flamengo no tema número 7 vem provar-nos isso mesmo. Será que esta mistura faz do batuko menos batuko? Ou será que o torna mais rico? São perguntas que ficam no ar. Ouvir com atenção este tipo de trabalho poderá ajudar a fazer julgamentos despidos de preconceitos a este respeito.
Para além disso nota-se que há uma preocupação no sentido de se actualizar também os temas dos versos que compõem os álbuns destes novos artistas. Nesse aspecto, Isa surpreende-nos com 5 temas seus e mais uns tantos de compositores actuais, dos quais não podia deixar destacar a estreante Lay Lobo. Mas, para que hoje pudéssemos estar aqui a apresentar o primeiro registo em CD desta voz encantadora, houve toda uma caminhada, um processo de aprendizado, um trabalho árduo, muitas vezes compartilhado, porém, outras vezes solitário, onde me parece que, o irmão e músico Valdo terá exercido um papel preponderante.
A voz é considerada o primeiro instrumento musical. Por isso, para quem já aprendeu, ou pelo menos tentou aprender a tocar violão, esse instrumento tão popular entre nós, sabe as dificuldades com que se deparou no início, para conseguir fazer com que os dedos respeitassem a vontade do cérebro e as dores que se apoderam das articulações durante essa fase de iniciação. Imagino o quão difícil terá sido para a Isa conseguir chegar a este ponto de ter um domínio perfeito sobre as suas cordas vocais e por fim, presentear-nos com esta sua primeira obra musical que nos fala de cabo verde e da diversidade da cultura das suas ilhas; um disco que os nossos ouvidos não se cansam de ouvir porque é como se fosse um suave massajar para os nossos sentidos. É claro que se tem forçosamente de partilhar estes elogios com os músicos escolhidos para acompanhá-la e que encaixaram na perfeição neste trabalho, onde mais uma vez, Hernani Almeida, joga um papel importantíssimo como Director musical e músico de referência. Surpreendeu-nos sobretudo a sua performance na guitarra baixo eléctrica, uma vez que é a primeira vez que o ouvimos tocar tal instrumento e sempre com a mesma qualidade a que nos habituou. A isso teremos ainda que acrescentar, a forma como conseguiu dirigir os músicos que participaram neste trabalho, todos com enorme experiência e talento, fazendo com que a sua destreza instrumental ajudasse a destacar ainda mais as qualidades da voz desta “Kriola Enkantu”.

Ta Sumara Tempo

A minha foto
Praia, Ilha de Santiago, Cape Verde

Jasmine Keith Jarret

Jasmine Keith Jarret

Arquivo do blogue