quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Eco com cheiro a café

Desenho: Van Gogh
Uma só palavra, dizem, pode salvar-nos.
A sugestão é deixar doze, talvez para poder- mos ter a garantia de que nos salvamos mesmo!
Sol, viagem, melodia, onda, vela, poesia, vento, luar, olhar, sonho, sorriso, paixão.

REFILON

Refilon, traduzido para a nossa língua oficial, o português, significa: refilão, aquele que refila, atrevido.

Os Refilon, grupo de músicos formado essencialmente por jovens originários da ilha de São Vicente, residentes em Lisboa, lançaram em Dezembro de 2007, o seu primeiro CD, “Nôs Xtória”. Nessa mesma altura, foram também trazidos a público, os trabalhos de Mário Lúcio (Badiu), que teve um enorme eco de elogios - principalmente na blogosfera -, o novo disco do Zeca de Nha reinalda e ainda o Dokumento, do Zézé. Infelizmente, não tive oportunidade de ouvir todos, e mesmo o trabalho do Mário Lúcio, que foi o que destes três, o que me despertou maior curiosidade, só o ouvi a espaços, e sem a tranquilidade para poder apreciar os detalhes.

Talvez, o aparecimento destas obras todas ao mesmo tempo, tenha dispersado a tenção dos apreciadores e críticos da música tradicional de Cabo Verde, porque quase não ouvi falar deste que considero o projecto mais atrevido, do ano transacto. Essa minha avaliação baseia-se no facto de, este grupo ser formado na sua maioria por jovens de S. Vicente, onde a maior parte dos músicos, defende um conservadorismo anacrónico, para a forma de se tocar a música tradicional de Cabo verde. Um purismo que a meu ver, serve unicamente para manter o status quo.

Já tinha ouvido falar dos Refilon, e do trabalho que vinham encetando na fusão de ritmos tradicionais derivados do Kola Sandjon e da mazurka, com o Jazz. Mas até esta, não tinha tido a oportunidade de os ouvir em alguma das suas muitas actuações ao vivo, que aliás, diz-se ter sido o caminho percorrido para a gravação deste CD. E o resultado é francamente positivo.

Como o nome do grupo diz, estes jovens, foram suficientemente atrevidos, para criar algo diferente, no horizonte musical sanvicentino, e por consequência, cabo-verdiano. Este trabalho começa por ser agradavelmente interessante, na escolha do design gráfico da capa do disco, feito pela Sónia Catulo, que nos dá logo vontade de adquiri-lo e guardá-lo como objecto de colecção.

Os Refilon, apesar de se apresentarem como uma banda que desenvolve estilos musicais próprios, baseados na mazurka tocada na ilha de Santo Antão, e no rufar dos tambores das festas de S. João em S. Vicente, não se intimidam quando tocam um funaná – como é o caso do tema Nanafuna -, ou um batuko (Longe d bo), ambos cantados no crioulo de Santiago. Por isso quando se ouve este disco, ouve-se indiscutivelmente, música de Cabo Verde!

O trabalho destes jovens irreverentes, como o é: Mayra, Tcheka, princesito, Djinho, Mário Lúcio (sim maltas, Mário ku Djinho també ta fasi parte di kêl gerason la), e agora os Refilon, e mais um grupo de músicos que têm contribuído para esta viragem na música de Cabo Verde, onde coloco no topo Orlando Pantera e os ARKORA, merece ser devidamente reconhecido e divulgado.

A partir do momento em que tive a oportunidade de ouvir este disco, que me foi emprestado pelo Peri, Passou a figurar na minha lista dos melhores álbuns de música contemporânea cá da terra. Se Bem que para mim, toda a música com qualidade, torna-se intemporal e passa a pertencer a esta aldeia global em que se está a tornar o mundo. E, não vale o argumento que a voz do Djoy Abu-Raya, podia estar melhor sintonizada com a qualidade musical apresentada pelo grupo. Na verdade podia-se ter encontrado uma voz mais forte e mais melódica para o grupo, mas há que levar em conta que este é só o primeiro trabalho gravado por este grupo e que por isso têm uma enorme margem de progressão para os futuros trabalhos a publicar. De resto, segundo me foi dito, o Djoy joga um papel importantíssimo neste grupo, juntamente com o outro guitarrista e compositor, o Danilo Silva. Para além de ser um dos fundadores da banda, o Djoy-Aburaya é quem dirige o grupo e ainda o compositor da maior parte das músicas que compõe este CD. Os temas são actuais e nota-se maturidade na forma como aborda a questão da saudade, e a dicotomia sempre presente na vida do cabo-verdiano, chuva/seca. Aliás o tema 7 deste trabalho, Seca Tchuva - que eles cantam tchuba -, espelha precisamente isso: a eterna mensagem que diz que o nosso chão é fértil, mas que a maior parte das chuvas que caem no arquipélago, derrama-se sobre o oceano.

Uma presença muito importante neste disco é a do violinista brasileiro Luiz Moreto, professor de música, formado na universidade estadual de Santa Catarina, no Brasil. Pode-se mesmo dizer-se que, o son do seu violino é a pedra de toque deste disco. Talvez por o ritmo da mazurka, estar muito presente neste trabalho.

Outro músico que deixa a sua assinatura de qualidade nesta obra é o baterista português Rui Alves, que pelo curriculum que se nos apresenta, e pela experiência adquirida com músicos de cabo verde como Tito Paris, o resultado não podia ser melhor.

Mas, os Refilon, acima de tudo, valem pelo projecto, pelo todo; pelo belíssimo trabalho apresentado em Nôs Xtória. Por isso, todos os elementos deste grupo, passando por Zé Mário, que fez a precursão e coros; por Danilo silva, na guitarra e Voz; pelo Mário Coronel, no baixo e coros; e os outros músicos que compões esta Banda, e de quem já falei. Todos, sem excepção, devem estar muito orgulhosos pelo resultado obtido com este álbum.

Preservar a música tradicional cabo-verdiana, passa por tocá-la de forma que os jovens a oiçam e se interessem por ela. São projectos como este, traduzido em CD, que podem ajudar esse desiderato.

Ta Sumara Tempo

A minha foto
Praia, Ilha de Santiago, Cape Verde

Jasmine Keith Jarret

Jasmine Keith Jarret

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