quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

CRONICA DE UMA ERA ANUNCIADA, ou do que preserva o preservativo.


Um preservativo amarelado bronzeia-se estendido na areia, ali mesmo ao pé da escada de acesso à praia de Quebra Canela, resquício de uma noite de amor furtivo ou da promiscuidade em que se vive na cidade. As pessoas passam por ele e fazem de conta que não o vêm. Vivemos assim, fazendo de conta de isso não nos toca. A areia está suja, por vezes infectada, mas só reparamos nela, quando uma alergia desconfortável começa a irritar-nos a pele. Não é nada epidérmico, vai-se impregnando aos poucos nas gentes até ser tarde demais para ter cura.

Uns degraus acima o trânsito rola mais lentamente do que o habitual. É hora de ponta. O acesso aos bairros habitacionais mal dimensionados são limitados, apesar dos avultados investimentos que se tem feito para ajudar a solucionar o problema.

As principais artérias do Platô vão finalmente ser alcatroadas e, de seguida, veremos serem erguidas duas torres de 20 andares cada, onde até agora os nossos olhos se perdem no horizonte, por entre carros estacionados sobre os passeios. Começa-se assim a traçar-se uma nova era na vida da cidade; dizem eles.

Há muito que se começou a traçar essa era. A era do betão armado! Explora-se cada metro quadrado com vista para o mar, até á exaustão. Muitos só se dão conta de ter comprado um gato quando pagaram por uma lebre, a partir do momento em que a vista que tinham sobre o horizonte, começa a desenvolver-se na vertical em forma de argamassa e janelas de vidro.

Lá fora, os desequilíbrios ambientais têm provocado enormes incêndios que vêm consumindo hectares mais hectares de florestas e junto com o verde, casas e vidas são transformadas em cinzas, em poucas horas.

Aqui, o lixo e a falta de civilidade, começaram por levar parte da pequena floresta de eucaliptos que mais tarde foi substituída por acácias, lixo e esgotos a céu aberto, onde agora irão erguer-se toneladas de vidro, ferro e betão.

A cidade cresce desenfreadamente e anunciam-se ajudas para a compra de material de combate a incêndios. Nada mais oportuno para acompanhar o início desta nova era. É que o ultimo fogo de que tive notícias, foi numa cave no Palmarejo, e os nossos Bombeiros, tiveram que socorrer-se do carro dos bombeiros do nosso aeroporto internacional e dos já habituais baldes de água dos vizinhos solidários. Com este desenvolvimento da cidade na vertical, certamente que iremos necessitar de um vigoroso reforço de material e homens com formação adequada, porque as experiências que temos nesta matéria, não nos deixa tranquilos. Até porque, para que o desenvolvimento económico que se presencia e de que se tem pretensão alcançar num futuro próximo tenha reflexos positivos para o país, é preciso começar a pensar e executar uma infra-estruturação da cidade nesse sentido. Sem descurar a questão estética.

O preservativo continua ali, bem á frente dos nossos olhos sem que ninguém o veja realmente. Até o dia em que nos entra por casa dentro, via internet, um filme de orgias, com claros indícios de abusos sexuais, gravado com uma adolescente, numa dessas noites de todos os excessos.

Apetece perguntar: o que leva Jovens pertencentes à suposta classe social média-alta a agir dessa forma bárbara?

A cidade tornou-se digital… alguns vão aproveitando esta nova oferta promocional da Câmara Municipal para viajarem na rede da informação, principalmente, jovens e turistas. Os outros, não se sentem totalmente a vontade para expor-se ao risco de um caço-body, nada virtual.

Os esgotos rebentam pelas ruas da cidade exalando um cheiro de imundice e nós, fechamos os vidros e ligamos o ar condicionado.

O preservativo continua ali… e em breve irá construir-se mesmo ali em frente, um hotel com vários andares em direcção aos Céus, enquanto cá na terra, o pesadelo vai tornando-se cada vez mais real.

Nenhum de nós gosta de viver assim! Nem eles estendendo a mão para pedir uma moeda, ou para apontar-nos uma pistola á cabeça e levar a carteira inteira, nem nós, nesta ansiedade de não se sentir seguros na nossa própria cidade.

O preservativo que inicialmente serviu para evitar alguma gravidez ou infecção indesejada, agora está ali disseminando doenças.

O preservativo continua ali, e bastava um gesto de consciência para apanhá-lo e jogá-lo no lixo. Mas nós preferimos fingir que não o vemos. Até o dia em que começamos a sentir aquela comichão desconfortante e nos damos conta dos nossos erros.

Baluka Brazão

4 comentários:

Cesar Schofield Cardoso disse...

Baluka, parabéns pela criação do blog. Agora não deixa a coisa parar.

Quanto a este post...tá demais! Gostei da técnica de pegar num objecto (o preservativo) e daí construir toda a tua narrativa. E o assunto, teimamos em não falar, mas é exactamente como dizes, quando começar a nos entrar pelos poros e nos contagiar a todos, aí, quem sabe, comecemos a achar uma merda isto tudo. Mas mesmo assim tenho dúvidas: um chefe da polícia levou uma carga de porrada de uns tugs e mesmo assim, em declarações à imprensa, disse que foi uma "agressão normal"!!!...É preciso muito fanatismo político para se ter este tipo de disposição, para ser agredido e achar que tudo vai bem.

Abraço
César

Djoy Amado disse...

Baluka, parabéns pelo blog, mas não somente pela sua simples criação. É também pela convicção de que é mais um espaço de reflexão sobre os caminhos e descaminhos que estamos a trilhar.

E a propósito deste post, está nele patente toda a tua sagacidade. O resto já foi dito, e bem, pelo César.

É com satisfação que vou, de imediato, colocar um link para o Sumara Tempo no Djaroz.

Um abraço

Miguel Barbosa disse...

Beleza de Blog, Baluka. Bali!

Baluka Brazao disse...

Obrigado a todos os que passaram por ca e em especial:ao César, Djoy e Miguel.
abaraço a todos.
Baluka.

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