quinta-feira, 10 de abril de 2008

UM POETA


Estar de férias dá-nos tempo para cuidar de nós, do nosso físico e da nossa alma. Esforço-me por fazê-lo no dia-a-dia como opção de vida e gosto que me respeitem por ser assim. Porque a nossa vida é nossa e ninguém a vive por nós!

Hoje apeteceu-me ler poesia e lembrei-me de um poeta que um amigo, desses que passam pelas nossas vidas e nos deixam algo que nos faz lembrar sempre deles, me apresentou, numa das noites de poesia no Kasa Bela.

Sebastião Alba é um poeta (porque os poetas não morrem), que viveu os últimos anos da vida, como mendigo, comendo pouco e bebendo muito. E fê-lo por opção, ainda que a maior parte dos simples mortais não conseguissem entender o porquê dessa escolha. Mas Sebastião Alba (Diniz Albano Carneiro Gonçalves), é um poeta… acredito que vida e as palavras tinham outro significado para ele.

Sebastião Alba morreu atropelado numa das ruas de Braga, por um desses condutores anónimos, para quem a vida conta tanto, como as horas que perde nas estradas, ao volante de um carro qualquer. E que, o maior feito da sua vida, terá sido ter morto um poeta, pensando ter morto um mendigo!

Gosto dos amigos

Gosto dos amigos
Que modelam a vida
Sem interferir muito;
Os que apenas circulam
No hálito da fala
E apõem, de leve,
Um desenho às coisas.
Mas, porque há espaços desiguais
Entre quem são
E quem eles me parecem,
O meu agrado inclina-se
Para o mais reconciliado,
Ao acordar,
Com a sua última fraqueza;
O que menos se preside à vida
E, à nossa, preside
Deixando que o consuma
O núcleo incandescente
Dum silêncio votivo
De que um fumo de incenso
Nos liberta

Sebastião Alba

Foto: Noite Dividida

3 comentários:

Anónimo disse...

Um belo post! E tu, um rico homem.

Catarina disse...

Obrigada pela homenagem...

Alba vivia pelas ruas da minha infância... era um mendigo sujo e mal-cheiroso que me contava histórias pelo meu percurso casa-escola... era o meu "pobrezinho" de estimação... aquele a quem entregava o que levava na lancheira preparada pela minha mãe, que detestava que eu falasse com ele...

Alba não tinha nome, quando eu tinha, 6, 7, 10, 12 anos... era um daqueles anônimos que vagueiam pelas ruas das nossas cidades - mas para mim, na minha inocência, ele era especial... sem saber que realmente o era!

Anos passados, já em Coimbra, vi uma reportagem na televisão sobre a sua morte e sobre a sua verdadeira identidade... não sei traduzir o choque...

Mais anos passados e pumba... na Cidade da Praia cruzo-me com alguém de outro continente que tb o conheceu... mas que pôde bebê-lo melhor que eu (ou talvez não?)

Obrigada, Baluka, por lhe dares um post... tenho saudades daquela voz.

Baluka Brazao disse...

Catarina, penso que quem tem a oportunidade de conhecer a poesia de Alba dificilmente fica indiferente. sente-se que ele escrevia com a alma.
poder conhecê-lo e sentir a sua voz, parece-me ter sido um privilégio para ti!
Obrigado pelo teu comentário.

Ta Sumara Tempo

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Praia, Ilha de Santiago, Cape Verde

Jasmine Keith Jarret

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